Reflexão sobre Futuro da Logística e Supply Chain

reflexão sobre futuro da logística e supply chain

‘The light bulb did not come from continuous improvement of the technology of a candle’

O termo é seguramente conhecido por todos, sendo utilizado, não para efeitos de citação nem tão pouco para o de uma análise etimológica, mas sim, a título de evocação da consciência daqueles que são profissionais no setor da logística e supply chain.

A disseminação global do SARS-CoV-2 e a consequente pandemia da doença de Covid-19, conduziram, por imposição, a uma mudança dramática e repentina na forma como indivíduos, entidades, comunidades e sociedades, se organizavam e se desenvolviam no seu quotidiano. Quase que da noite para o dia, uma parte muito substancial da população mundial viu-se confinada na capacidade para se deslocar e, com isso, para concretizar as respetivas rotinas. Por todos os setores e em todas as economias o impacto fez-se sentir. Setores público e privado, em toda a sua latitude, foram afetados em diferentes dimensões e em sentidos contrários. Os setores da saúde e conexos foram e estão ainda sujeitos a uma tremenda pressão, enquanto que os do turismo ou da aviação foram arrastados para uma condição de letargia quase total, sobre a qual não se consegue ainda vislumbrar uma perspetiva robusta de recuperação para a normalidade.

O setor da logística e supply chain foi igualmente “agraciado” pelo novo contexto. Do lado da oferta, a afetação generalizada das indústrias produtivas conduziu a disrupções de cadeias inteiras em upstream. No extremo oposto, o confinamento compulsivo de parte da população mundial e ainda, as muitas incertezas que se vão adensando sobre as consequências do presente no futuro das empresas e das famílias, estão a impactar indelével e muito negativamente a atividade económica em sociedade pela dramática redução da procura.

Poderá assumir-se de forma natural que este contexto completamente novo e repentino ao qual a logística e supply chain está submetida, era imprevisível e ainda incontrolável pelos stakeholders do setor. O impacto daqui decorrente já seria severo o bastante, per se. Acresce o facto de o processo de maturação ao qual a logística e supply chain moderna foi sujeita nos últimos anos, nos ter conduzido, como setor, no sentido da maximização da eficiência e da responsividade no suporte à indústria. E quando o setor industrial sofre o nosso setor sofre por inerência, agravando-se ainda mais o cenário de severidade com o qual temos de nos confrontar.

A partir da afirmação anterior, não se pretende contestar a inter-relação e a dependência muito substantiva que o setor da logística e supply chain tem pelo do industrial, mas sim o de questionar sobre se o nosso foco primário e primordial em eficiência de processos, aquele pelo qual nos temos vindo a moldar ao longo das últimas três décadas, se se deve manter como primeira e principal condição para a forma como nos queremos apresentar como setor e, igualmente, para a forma como queremos que nos percebam no xadrez da economia global.

Aproveitando a pausa circunstancial à normalidade à qual a pandemia de Covid-19 nos está a obrigar, deveremos ter o arrogo de acreditar que este momento poderá ser tão perfeito como qualquer outro para nos inquietarmos. Enquanto profissionais do setor, deveremos ambicionar como resultado da nossa atividade mais do que apenas garantir a maior eficiência na movimentação de artigos em benefício daqueles a quem nos propomos a servir. Este poderá ser o tempo para um momento reflexivo, que nos deve levar à consciência de que temos mais para oferecer e de que estamos capacitados para tal. Este poderá ser o tempo para nos arrogarmos a pedir aos nossos Clientes para sermos envolvidos nos processos transformacionais das cadeias de abastecimento, que se estendem da conceção do produto até ao fim do seu ciclo de vida. Este poderá ser o tempo onde, o setor da logística e supply chain deverá assumir querer alargar o âmbito das suas competências, complementando a sua própria rede de infraestruturas e de demais recursos, e cujos fins primeiros são os da prestação de serviços de logística, com uma multicamada de novas redes endogeneizadas e/ou subcontratadas de outros serviços agregados e conexos, que nos permitam constituir uma proposta de valor do setor ainda mais qualificada.

Este bem poderá ser o tempo em que o setor da logística e supply chain se queira repensar.

Alicerçados no progresso histórico que nos fez chegar ao patamar de ativo insubstituível no desenvolvimento da economia global, como setor poderemos porventura trabalhar em dois vetores essenciais para nossa existência de curto/médio prazo e ainda de longo prazo. Para o primeiro, trabalhar no sentido de reposicionar o nosso foco incidente na entrega de um resultado ao custo unitário mais baixo, para o de um outro onde o resultado que se entrega potenciará o maior retorno económico a quem dele fará uso. Para o segundo, o de criar e fortalecer um ecossistema em torno do nosso setor que nos permita abordar mais assertiva e robustamente os múltiplos climas e as diversas perspetivas que a economia e a globalização nos hão-de reservar.

Fruto da pandemia, a indústria, como a economia em geral, está a confrontar-se com a necessidade de irromper por territórios desconhecidos. Primeiramente, foi o de se ajustar in extremis a uma travagem a fundo da sua atividade e agora, e provavelmente ainda maior desafio, será o de calibrar a sua retoma. O setor da logística e supply chain acompanhou e continuará a acompanhar a indústria no seu ciclo e ainda nos riscos que lhe estão inerentes.

Acreditamos que o posicionamento que assumirmos hoje em tempos de incertezas e de oportunidades poderá toldar para o futuro a qualificação da nossa proposta de valor como setor, bem como poderá legitimar o reforço do nosso envolvimento junto dos centros de decisão de quem assume o controlo sobre as cadeias de abastecimento.

Este, é um tempo tão perfeito como qualquer outro para nos inquietarmos sobre o grau de representatividade que queremos ambicionar para o nosso setor, e de como nos deveremos apetrechar para abordar uma próxima e mais do que segura crise.

Pedro Maurício
Business Development Manager
Rangel Contract Logistics