Impacto da Covid-19 no Transporte Marítimo de Mercadorias

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O comércio internacional, importante motor da economia global, tem no transporte marítimo de mercadorias um forte aliado, uma vez que, é através das rotas marítimas que a grande maioria das mercadorias transacionadas são movimentadas. De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, o transporte marítimo é responsável pelo transporte de cerca de 80% do comércio internacional de mercadorias, pelo que a crise global provocada pela pandemia do novo coronavírus Covid-19, impactou seriamente as rotas marítimas e consequentemente, o estrangulamento das cadeias de abastecimento a nível global.

Sabendo do contributo que as redes de transporte internacionais tiveram no passado para a disseminação mundial de outras doenças (como por exemplo a gripe espanhola), e reconhecendo que o transporte marítimo se poderia transformar num vetor de transmissão do novo coronavírus, não é surpreendente o facto do setor ter sido um dos primeiros a enfrentar limitações significativas devido ao impacto da Covid-19.

Com vista a travar a propagação do novo coronavírus, muitos países implementaram restrições à livre circulação, com interrupções parciais ou totais de atividade, que se estenderam por várias semanas. Alguns dos países que implementaram medidas de prevenção mais severas são também os países onde estão localizados os portos mais importantes para o comércio internacional, nomeadamente em termos de conexão com as principais rotas comerciais.

De acordo com o estudo “Containers and globalisation: Estimating the cost structure of maritime shipping”, publicado em 2017, apenas 6% dos países com terminais de contentores têm rotas marítimas com ligação direta, todos os restantes países possuem rotas que envolvem, pelo menos, uma paragem num porto de outro país. Ou seja, uma larga maioria dos terminais de contentores funcionam como hubs de interconexão, o que corrobora a ideia de que efetivamente o transporte marítimo é uma imensa rede global, dependente entre si.

Nome do Porto

País

Nº de portos com os quais tem ligação

Nº de transações comerciais realizadas através deste porto

% do comércio global que utiliza este porto

Singapura

Singapura

158

3 517

.32

Port Klang

Malásia

109

1 172

.13

Algeciras

Espanha

98

3 351

.18

Busan New Port

Coreia do Sul

95

1 526

.32

Hong Kong

China

88

989

.20

Shangai

China

87

420

.18

Antuérpia

Bélgica

86

1 831

.19

Shekou

China

83

558

.19

Tanjung Pelepas

Malásia

82

1 719

.17

Roterdão Maasvlakte

Países Baixos

78

2 268

.21

Principais portos mundiais em termos de conexões diretas e a sua importância para o comércio global. Fonte: VoxEU.org, 2020

A tabela anterior apresenta os 10 portos mundiais mais importantes em termos de conexões com outros portos e também em termos de importância para o comércio internacional. Analisando os dados relativos ao porto de Singapura, percebemos que o mesmo tem ligação com 158 outros portos, e que 3517 relações comerciais utilizam este porto para enviar mercadorias. Outro dado revelante é que o porto de Singapura representa 32% do comércio global.

Os dados anteriores deixam antever que as restrições impostas em países como a China, Singapura, Malásia, Espanha, Coreia do Sul, Bélgica ou Países Baixos têm um impacto global, que vai muito além das suas fronteiras. Como as rotas marítimas destes portos estão interconectadas com dezenas de outros portos mundiais, as restrições tiveram impacto direto nas cadeias de abastecimento de todo o mundo, pois quanto mais relevante é a posição de um porto na rede global de rotas comerciais, mais amplas serão as consequências.

Segundo a Câmara Internacional de Navegação e a Organização Marítima Internacional, entre as principais dificuldades encontradas pelas empresas de transporte marítimo está a dificuldade em atracar o navio – devido à exigência, por parte das autoridades portuárias locais, de uma quarentena de 14 dias – e o facto de existirem alguns portos encerrados, onde não é mesmo possível atracar.

Outro fator que contribuiu intensamente para o impacto negativo sentido no transporte marítimo foram as restrições às alterações da tripulação dos navios. A troca de tripulação é um fator essencial para que uma empresa de transporte possa cumprir os contratos de trabalho e a regulamentação do setor.

Em contexto normal, ocorrem cerca de 100.000 alterações de tripulação todos os meses, segundo o artigo “The ship must go on”, publicado em março deste ano. No entanto, neste momento, 120 países (num universo de 126) implementaram restrições à troca de tripulação, o que coloca a tripulação de muitos navios em quarentena, pois só lhes é permitido atracar quando existe a confirmação de não existência de casos positivos. É certo, portanto, que as restrições portuárias têm um impacto severo no transporte marítimo e nas cadeias de abastecimento.

Região

Variação de Jan/2019 para Jan/2020 (%)

Variação de Fev/2019 para Fev/2020 (%)

Extremo Oriente

0.0

-17.5

Europa

0.7

-4.0

América do Norte

-0.3

-7.0

Australásia e Oceânia

-6.5

-2.8

Subcontinente Indiano e Médio Oriente

3.7

6.1

Améria do Sul e América Central

2.4

2.8

África Subsaariana

5.4

7.4

Evolução no volume de comércio de contentores no mundo por região. Fonte: International Transport Forum, 2020

De acordo com o relatório “Global Container Shipping and the Coronavirus Crisis” publicado pelo International Transport Forum, os volumes globais de comércio de contentores caíram 8,6% em fevereiro de 2020 quando comparado com o mesmo mês de 2019. Os números oficiais de março de 2020 ainda não foram divulgados, mas espera-se uma queda ainda maior, evidenciando o impacto da Covid-19.

O declínio no comércio de contentores foi particularmente acentuado no Extremo Oriente, com uma quebra de 17,5% em fevereiro de 2020 face ao mesmo mês do ano anterior. Na Europa, América do Norte e Oceânia a descida também é significativa, com quebras de 4%, 7% e 2,8% respetivamente, no mês de fevereiro de 2020 face ao período homólogo. Por outro lado, nas economias emergentes da América Latina, África Subsaariana e Subcontinente Indiano e Médio Oriente o impacto da pandemia ainda não foi sentido nos primeiros dois meses do ano, pelo que se espera também uma quebra abrupta nos números de março e abril de 2020.

Também a consultora sueca Sea Intelligence estima que a epidemia tenha deixado bloqueados cerca de 1,7 milhões de TEUs em portos e terminais marítimos das principais rotas internacionais. Considerando como valor médio do custo de frete 1.000 dólares por TEU, a epidemia já custou 1,7 mil milhões de dólares (1,56 mil milhões de euros) de receitas ao setor, o equivalente a um ano de operação do Porto de Sines.

A Rangel, está desde o início desta pandemia totalmente focada em ultrapassar os constrangimentos provocados pela situação atual. Nesse sentido, temos vindo a desenvolver soluções dedicadas, de forma a satisfazer as necessidades críticas e customizadas de transporte e logística, quer pelo seu caráter de urgência, dimensão e peso: transporte terrestre dedicado, transporte aéreo dedicado – charters, NFO – next flight out, Aircraft on ground, entre outros.

Referências Bibliográficas:
An unintended crisis: COVID-19 restrictions hit sea transportation, VoxEU.org, maio de 2020
Global Container Shipping and the Coronavirus Crisis, International Transport Forum, abril de 2020
Coronavirus: Let’s keep ships moving, ports open and cross-border trade flowing, United Nations Conference on Trade and Development, março de 2020
Containers and globalisation: Estimating the cost structure of maritime shipping e ship must go on, Windward, março de 2020, junho de 2017
Coronavirus restrictions are creating a ‘time bomb’ in maritime shipping, abril de 2017
Covid-19 já custou 1,56 mil milhões ao transporte marítimo, Jornal ECO, fevereiro de 2020